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quarta-feira, 2 de junho de 2010

Chegou ao fim a era dos arquitectos-estrela

"O tempo dos arquitectos-estrela começou simbolicamente com o Guggenheim de Bilbau e acabou (também simbolicamente) com o museu de Zaha Hadid em Roma


"Vamos falar de casas", propõe a Trienal de Arquitectura de Lisboa. Mas, provocamos o norte-americano Barry Bergdoll, membro do júri do concurso A House in Luanda: Patio and Pavillion, promovido pela Trienal: não tinham os arquitectos resolvido o problema da casa há muito tempo? Não andavam agora mais ocupados a construir museus, estádios, igrejas, aeroportos?

É um problema que não está de maneira nenhuma resolvido, responde Bergdoll, curador para a Arquitectura e Design no Museum of Modern Art (MoMA), de Nova Iorque, numa conversa com o P2 durante uma recente passagem por Lisboa para avaliar os projectos do concurso. "[A habitação] é uma das maiores crises que aí vêm. As Nações Unidas dizem-nos que neste momento mais de metade da população mundial vive em cidades e estas estão em enorme crescimento, sobretudo em África. Na Europa temos o fenómeno oposto, com cidades a encolher. Não há casas onde são precisas e há casas a mais onde não são precisas."

Pensou-se, de facto, muito sobre a casa durante o século XX, sobretudo nas décadas de 60 e 70, "mas tornou-se um tema subestimado na última geração". Há, acredita Bergdoll, todo um lado social do trabalho do arquitecto que foi ficando "desacreditado".

Os anos 80 e 90 trouxeram, sobretudo nos Estados Unidos e no Reino Unido, "uma crítica da democracia social, do papel do Estado", uma crença absoluta nas capacidades reguladoras do mercado, e, a par disso, "uma crítica completa da missão social do arquitecto, como se este estivesse a tentar fazer engenharia social".

Passou a valorizar-se cada vez mais a arquitectura de autor, adoraram-se os arquitectos-estrela, construíram-se grandes edifícios. Os museus talvez tenham sido a obra emblemática desse período, para o qual Bergdoll vê um princípio e um fim - da construção do icónico Guggenheim de Bilbau, de Frank Gehry (começada em 1992 e terminada cinco anos mais tarde), à recente apresentação pública de um museu ainda vazio de colecção, o novo museu de arte contemporânea de Roma, uma obra assinada pela (também ela icónica) arquitecta de origem iraquiana Zaha Hadid, concluída no final do ano passado.

"Esse edifício é o fim da cauda de um fenómeno que tem no seu extremo inicial o Guggenheim de Bilbau. Este abriu num momento de prosperidade económica, e os turistas agarraram nos seus dólares e foram a Bilbau, cidade da qual nunca tinham ouvido falar", explica. "Não acredito que o edifício de Zaha Hadid transforme a indústria do turismo em Roma. Não o vejo como um edifício do futuro, mas como o edifício de um passado recente."

Bergdoll já não o coloca sequer como um edifício do presente. É o símbolo do fim de uma época. "O chamado efeito Bilbau tem a ver com a ideia de as cidades serem competitivas a nível global. Julgo que daqui a 100 anos as pessoas vão relacionar o fenómeno dos arquitectos-estrela com os conflitos da economia global no final do século XX, a luta pela sobrevivência de alguns locais no meio da indústria do turismo, o marketing, a ascensão do museu como destino turístico."

Menos estética


Hoje já estamos a assistir a um regresso à tal dimensão social do trabalho do arquitecto. Prova disso é a exposição que o MoMA está a preparar para Outubro, Small Scale, Big Change, que apresenta projectos como uma escola primária no Burkina Faso, outra "feita à mão" no Bangladesh ou um lar para idosos ligado a uma escola para crianças na Califórnia.

Foi precisamente em 2000, no início de uma nova década e de um novo milénio, que a Bienal de Veneza, comissariada pelo arquitecto italiano Massimiliano Fuksas, deu o mote: "Mais Ética, menos Estética", proclamou Fuksas. Dez anos depois temos "um arquitecto como o chileno Alejandro Aravena [do projecto Elemental, empenhado em soluções de construção de casas a baixo custo] no júri do Prémio Pritzker, que tradicionalmente premeia estrelas". Isto é um sinal dos tempos, para Bergdoll. "Aravena não é... Bom, se é uma estrela, é um novo tipo de estrela, porque muito do seu trabalho tem a ver com preocupações sociais."

O fim da época das estrelas coincide também com uma reconciliação das novas gerações de arquitectos com o movimento moderno (representado, na primeira metade do século XX, por figuras como o francês Le Corbusier, a escola alemã Bauhaus ou o norte-americano Frank Loyd Wright).

"Houve uma espécie de recuperação do movimento moderno", concorda o curador do MoMA. Mas, defende, se por um lado devemos preservar a herança moderna que possa estar em risco, por outro "não devemos criar uma nostalgia em relação a ela que conduza a um retro-modernismo unidimensional". Ou seja, não podemos ter uma relação acrítica, temos que reconhecer os falhanços do movimento moderno e, acima de tudo, temos que perceber que "não estamos num momento neo, há crises e dilemas que são muito específicos do século XXI".

Em equipa

Uma das soluções que a arquitectura está a encontrar é o (regresso ao) trabalho em equipa. "Crescentemente os projectos mais interessantes são assinados por várias pessoas, de diferentes disciplinas." Também aí assistimos a um movimento inverso ao da arquitectura de assinatura, de grandes nomes, "à ideia de arquitectura como o edifício individual, a criação de uma pessoa que se destaca no meio de uma cidade, como uma espécie de destino de peregrinações".

E, no tal esforço de reinterpretar a herança do movimento moderno, é importante também perceber os limites que podem ter as grandes soluções, os grandes enquadramentos teóricos prontos a ser aplicados em qualquer lugar do mundo. O que nos serve hoje é a noção de glocal - pensar globalmente, agir localmente. "Um projecto em que temos estado a trabalhar no MoMA tem a ver com a procura de soluções para tornar o porto de Nova Iorque mais resistente às alterações climáticas, a questões como o aumento do nível do mar", conta Bergdoll. "Quando cheguei a Lisboa, olhei para o estuário do Tejo e pensei como é semelhante a situação. Apesar de serem cidades radicalmente diferentes, o problema também existe aqui. Os estudos locais podem ser desenvolvidos de modo a serem úteis a outros. Mas isso não significa que o sejam na óptica do movimento moderno, de encontrar uma solução que resolva todos os problemas do mundo."

in Publico

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